Médicos e pesquisadores do Centro de Pesquisa, Diagnóstico e Treinamento em Malária da Fiocruz
A morte da diplomata Milena Oliveira por malária fez com que nos
despedíssemos de 2011 tristes. Em 2007, a missionária Rosângela
Rodrigues morreu em circunstâncias semelhantes: no retorno de uma viagem
à África, seguiu-se o périplo por médicos e hospitais. O preço da
ausência de diagnóstico correto a tempo também foi a morte. Mais que
vítimas da malária, elas foram vítimas da desinformação.
Partilhamos da indignação dos diplomatas que cobram orientação sobre
os riscos de adquirir doenças em viagens e, sobretudo, sobre o
despreparo das equipes de saúde, dos hospitais para o diagnóstico e
tratamento da malária nos locais onde não há transmissão da doença. No
Brasil, apresentar sintomas da doença fora da região amazônica, área
endêmica que corresponde a metade do território nacional, pode ser
sinônimo de óbito. De fato, e paradoxalmente, se a malária for
diagnosticada (geralmente com atraso) justamente onde não existe
transmissão da doença, o risco de morte é cerca de 70 vezes maior.
Tal desproporção se deve ao fato de a infecção acometer de forma
mais grave quem nunca teve malária (indivíduos não imunes); à baixa
frequência com que profissionais não treinados e não habituados com a
doença evocam o seu diagnóstico diante de uma pessoa com febre; à
dificuldade do acesso ao diagnóstico laboratorial correto fora dos
centros especializados; à pouca familiaridade das equipes de saúde
local com as drogas utilizadas no tratamento e, por vezes e
lamentavelmente, ao desabastecimento nacional da principal droga de
ação rápida, implicando em menor chance de sucesso do tratamento dos
casos graves.
A realidade hoje é que um número crescente de profissionais
(engenheiros, empreendedores da construção civil, mineração, exploração
de petróleo), de empresas brasileiras, professores, missionários e
viajantes em geral tem se deslocado para a Amazônia, a África e a Ásia,
e a malária tem se tornado comum entre eles. Equipes de saúde e
gestores de todo e qualquer hospital devem estar cientes de que, como o
infarto agudo do miocárdio ou o acidente vascular cerebral, a malária
causada pela espécie letal (Plasmodium falciparum) do parasito tem que
ser considerada uma emergência médica, que requer o diagnóstico rápido e
o início imediato e adequado do tratamento para se salvar o paciente
da morte. Se tratada adequadamente e em até 48 horas do início dos
sintomas, a malária pode ser considerada uma doença benigna.
O risco de aquisição de malária varia conforme o destino, o tempo de
permanência, e a finalidade da viagem; o grau de interação com a
comunidade local e a adesão às medidas preventivas. Informar médicos e
viajantes é, portanto, tão importante quanto tratar os pacientes e
controlar a transmissão no país. Nesse contexto, a existência de
centros de informação, aconselhamento e atendimento, com profissionais
treinados para orientar os viajantes e diagnosticar doenças infecciosas
fora de suas áreas habituais de transmissão, é uma realidade que
precisa ser reproduzida e divulgada em vários estados do Brasil.
O Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas e o Centro de
Pesquisa, Diagnóstico e Treinamento em Malária da Fiocruz no Rio de
Janeiro disponibilizam tanto um serviço de aconselhamento para quem vai
viajar, quanto de atendimento ao viajante febril, e um malária-fone
fornecendo orientações sobre os centros de diagnóstico e tratamento de
malária a indivíduos com febre que tenham se deslocado para áreas
endêmicas. É razoável supor que a simples divulgação desses serviços,
hoje com capacidade instalada para atendimento de cerca de 20% dos casos
de malária diagnosticados no Rio de Janeiro, incorra em um aumento
considerável da demanda. Para fazer face a ela, atendendo a instituições
como o Itamaraty e outros órgãos e empresas, será necessário construir
parcerias público-privadas inovadoras que permitam o enfrentamento
efetivo de problemas de saúde pública dessa dimensão e gravidade.
Correio Braziliense
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